quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Na estrada

A neura envolve-me e consome a boa disposição dos dias anteriores. Desconfio da causa. Visto os calções almofadados e a t-shirt azul. Calço os ténis. Agarro na bicicleta cinzenta – fiel companheira - tomo de um trago uma mini preta e faço-me à estrada. (A estrada é sempre boa companhia).

Abraçam-me sentimentos estranhos de fraqueza, raiva e vontade de chorar. Como sempre, cerro os dentes enquanto no instante penso em ti… fixo os olhos no alcatrão irregular e pedalo mais forte como quem contra o relógio e contra a vida busca chegar mais longe, mais rápido, mais alto.

Pedalam as pernas ao compasso do rolar das imagens de momentos recem fabricados, dos “ sorrisos” e “ piscadelas”. Duvido se os quero, se os quero afastar e assumo a dúvida como o primeiro prémio de montanha do dia…salta a mudança para um carreto mais pesado que hoje é para sofrer. Pedalam mais duro as pernas (des)comandadas pelo desconcerto das incertezas. Do topo - tal como das certezas - nem sinal.

Paira o cheiro do alcatrão quente, empina mais, cresce o sacrifício … rabo fora do selim, respiração ofegante, a bicicleta a gingar ora a um lado ora a outro e o som empenado dos pneus cardados impróprios para a estrada.

Saboreio gotas de suor amargo que escorrem cara abaixo. Vinca-se uma dor aguda no peito que entrava a respiração, deturpa a sanidade e a destreza. Esqueço-a, como sempre. Fito o próximo poste e a próxima árvore… quero lá chegar, vou lá chegar. Dor? Dor é a essência do caminho. Pela dor destina-se o prazer. Acredito que sou forte a sofrer. Na subida, na vida, todos os dias, sempre de coração aos pulos. É desta que ele para ou sai para fora, penso, enquanto rasgo mais uma pedalada veemente. Misturam-se as lágrimas com o suor, o esforço do alcatrão inclinado e a dureza da vida…

Eis o topo. Abranda a inclinação e retempero as forças. Bate o vento e seca a cara lavada em suor ou lágrimas pela dureza da serra, talvez da vida. Pelo caminho desgastaram-se as dúvidas e a raiva, gastaram-se as lágrimas e o suor amargo. Exausto mas limpo volto à esplanada que me acolhe todos os dias de sorriso dúbio.

2 comentários:

  1. Caro João,

    Queria agradecer-lhe o comentário que deixou no meu blogue, o qual me deixou muito lisongeada. Aproveito para dizer que gostei bastante do poema e que é bom verificar que, pelo mundo da Internet, ainda se encontra boa gente a ler e a gostar de poesia.

    Parabéns pelo seu blogue. Através dele é fácil percebermos que o João é, de facto, apaixonado pela vida. Boas escritas!

    Sara Gonçalves

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  2. É fantástico como uma volta de bicicleta é capaz de provocar em nós tantas sensações, de libertar emoções e por fim, refresca-nos a alma! :D
    Além disso, a forma como descreves tudo isto é envolvente ao ponto de nos sentirmos contigo nessa viagem!

    Adorei! (:

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