terça-feira, 30 de junho de 2009

O Largo da Junta


A todos que escreveram este texto, aos novos que continuam a escrever um texto semelhante de contornos diferentes e aos que insistem em participar no novo texto…

O verão que agora chega, transporta, ano após ano o perfume e a melodia das sempre famigeradas férias. Pessoalmente é uma época estranha que me faz reviver outros tempos onde me confundia num misto de saudade dos colegas e paixonetas de escola e a alegria de novas descobertas, novas brincadeiras, a praia de S. Martinho do Porto e a Piscina do “Sta. Eulália” em Albufeira.

Eram os dias em que o toque da campainha na parede da escola perdia o seu sentido e às 10h00 da manhã era o Largo da Junta que ecoava os primeiros gritos e gargalhadas que reuniam a maralha. O banco de pedra ligeiramente partido no canto, de baixo de uma árvore meio desgrenhada, que às vezes também servia de baliza e de mesa de cartas, assumia a função de Assembleia onde se traçavam as leis do dia.

Começava a formatura anárquica e desregrada de uns putos barulhentos cuja única missão era aproveitar mais um dia de boa vida. Aos poucos o bando ia chegando, saltando putos de todas as ruas… uns a pé, outros de bicicleta e a mítica BMX amarela do Patusco! Cá por mim, sempre fui pontual e às 10h00 era, a par do meu primo Jotinha, dos primeiros a chegar. Tinha a certeza que éramos todos amigos, se bem que na altura não conhecia bem o significado disso, mas pelo menos sabia que a única traição que podia haver entre nós era quando jogávamos aos cowboys e uns tínhamos que matar os outros.

Os dias divididos escrupulosamente, pela imperturbável hora de almoço, entre manhãs e tardes, corriam fugazes ora de bicicleta, ora no rolar da bola futebol, ora no disparo das armas improvisadas nos cacos de tijolos no jogo dos cowboys, ora na lenga-lenga “51 rebenta o pirum” do jogo das escondidas ou até no “puky e contrapuky” do jogo de cartas.

Sem modéstia, ou tão pouco cinismo, imagino-nos como M&M´s coloridos que passeávamos alegria, magia e vida pelos paralelos irregulares das ruas da aldeia, pelo campo de futebol que nos enchia de pó e pelos trilhos mais longínquos do Felitão, do Casal S. Pedro ou da Folgorosa. Às vezes a bonita “quintinha” do Pedro, ou a casa de Rés do-Chão do Ruben também albergavam uma ou outra tarde de animação.

Paralelamente todos tínhamos programas familiares de férias…. Partiam uns e iam chegando outros. O porto de abrigo lá estava, sempre a ecoar em todas as manhãs, às 10h00 em ponto, através das gargalhadas de quem na intersecção de partir ou chegar lá ia estando.

Passaram 20 anos… Palmilho o Largo da Junta (que para mim nunca será Largo 1º de Maio). Caiem as primeiras gotas das chuvas de verão que nesse tempo nos afastavam do campo de futebol e dos trilhos da bicicleta lançando-nos para a garagem do Pedro, para a casa do Ruben ou, em momentos mais audazes, para a bilheteira à porta do “Grupo”. O cheiro da terra molhada embrulha as gotas da chuva com uma ou outra lágrima derramada pela minha memória enquanto se disparam no pensamento as palavras que agora escrevo.

A campainha deixou de tocar, a Junta de Freguesia mudou de sítio, o banco de pedra foi destruído e a árvore arrancada… Julgo que às 10h00 o Largo já não ecoa gritos e gargalhadas mas, mesmo assim, vão restando os paralelos gastos que continuam a acolher o cheiro da chuva de verão e a servir de chão às velhas amizades que ano após ano teimam em ficar.

Enfim, se não nos virmos antes, Até Domingo, às 9h00 no “Largo do Alex”

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Final de Dia

O final do dia é tarde. Tarde demais para a disponibilidade física, intelectual e emocional. Mas chega finalmente. “ Votos de um bom fim de semana e até segunda… Divirtam-se”. São as palavras que encerram o dia de trabalho e dão o mote para o sossego.

Arrumam-se os dossiers, desligam-se os equipamentos, verificam-se torneiras de água e interruptores de luz. Gosto desta casa… Gosto quando tudo fica no lugar. “O sumário fica para amanhã, porque hoje estou demasiado cansado”, penso enquanto ainda pondero na velha máxima de que “ não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”. Fecho a porta da sala e procuro chaves, carteira, telemóvel… acaba sempre por faltar qualquer coisa que ainda me prende mais uns minutos. Duas ou três mensagens obrigam a resposta imediata. Voltei a esperar mais de uma dessas mensagens…enfim… “ Não amigo, hoje não vou sair… vou só a 2 portos beber uma jola” respondo a uma pergunta em jeito de convite.

Sim, vou até Dois Portos. A minha terra. É curioso… para dizer a verdade nunca residi em Dois Portos, mas sinto me bem lá. Encontro-me, equilibro-me. Invade-me uma estranha sensação de energia sempre que lá estou.

Hoje apetece-me um pouco de emoção.

Depressa faço subir o ponteiro da velocidade e arrisco algumas curvas no limite…. Os pneus gritam ao virar mais agressivo numa das primeiras curvas. Na rádio o “Breathe” (Ure Midge) aguça e pede mais velocidade. Deixo-me envolver…. Pressiono o acelerador com veemência enquanto cerro os dentes de raiva como quem desafia o mundo e a curva seguinte sem qualquer medo. Mais velocidade! O consumo instantâneo dispara aos 30 litros/100kms… pouco importa isso agora… “Breathe some soul in me, Breathe your gift of love to me"… e agora? Tenho de conseguir curvar sem travão na próxima. Entro bem, gemem ainda mais, sem pudor nem respeito, os Michelin enquanto eu vou gritando de dentes cerrados: “Breathe life to lay 'fore meBreathe to make me breathe”…, Saio tão bem quanto entrei o que me permite rapidamente chegar aos 150kms/h na recta seguinte. A próxima curva exige um “cheiro de travão”. O ABS está avariado, e o pedal fica rijo a partir dos 120. Dou-lhe o cheiro - com cuidado - mas continuo acima dos 120km/h. Conheço a estrada como a palma da minha mão, penso eu e descanso a angústia de imaginar não conseguir ficar na estrada durante muito mais tempo. Já estou perto. Reduzo a velocidade que não gosto de “espectáculo” perto de casa.

Entro no largo da minha segunda casa (o café do Alex). A rua cheia de pessoal e um ou outro amigo “dos bons” leva-me a parar. É bom chegar a casa. É bom ver alguns sorrisos. É bom partilhar uma ou outra conversa banal com o pessoal. E rimos, gargalhamos, traçamos projectos e combinamos a saída do próximo fim de semana. Ainda há tempo para um brinde de água-pé “ à nossa, que isto é uma terra pequena mas tem muita malta boa”.





http://www.youtube.com/watch?v=USFr5VeLQ2o