quarta-feira, 18 de março de 2009

Estilhaços do dia em que perdendo me encontrei



"Estou de volta pro meu aconchego, Trazendo na mala bastante saudade, Querendo Um sorriso sincero, um abraço, Para aliviar meu cansaço, E toda essa minha vontade.... (Elba Ramalho)"



A noite promete ser perturbante. O “Open Space” afoga-se de entediante silêncio que nem amorfos professores nem as frases feitas cravejadas nos biombos parecem conseguir quebrar.

Assusta-me o silêncio que retalho quando acedo ao youtube como quem quer reviver doce momento no repeat de uma música que teve sentido. Partilho esfarrapados desabafos (desadequados e insensatos) e esboço a coreografia de uma dança no rodopio de dois ou três pulos.

Esvoaçam pensamentos que aguçam o guisado de emoções que agora fervilham na memória de um outro tempo.

Os telemóveis encurtam sem dúvida as distâncias e são óptimas prescrições para as maleitas de solidão, mas são como antibióticos que acabam sempre por ofender outros elementos do corpo que ao fim ao cabo está condenado à moribundice … Talvez seja preferível os tragos de Whisky barato às mensagens escritas…

Deixo a música a meio…. “Volto já” … esta música descobre-me lágrimas recônditas que julgava já ter chorado mas que parecem renovar-se em cada manhã que teimo em sair da cama… “Quanto mais choras, menos mijas” sempre me disse a minha mãe… e é o que ainda me vale neste fluir de líquidos que se reciclam no meu corpo desgrenhado pelas maleitas da solidão, das mensagens escritas e dos tragos de Whisky barato. Olha se eu mijasse tanto quanto choro….

Saio na sombra de uns feixes de sol que a semana passada seriam motivo para dez sms. Viro a esquina, o Amoroso habituou-se a conhecer o desalento do meu caminhar arrastado, que lhe ajuda a ganhar alguns dias, e permite-se não perder muito tempo na sua arte de vender:

- “É uma “preta”, Sr. Professor?”

- “ Dê-me antes duas e das grandes, que hoje quero beber para esquecer”…

- “ Coma um Salgadinho Sr. Professor” , instiga o Amoroso, sem que eu perceba se quer vender, se está preocupado com a minha aparência débil, ou se simplesmente quer meter conversa.

Será que o Amoroso se sente só? Não me parece. Nem sequer deixo que se aproxime muito de mim. Habituei-me a não confiar nas pessoas. Como diz o Vítor: quanto mais conheço as pessoas mais gosto dos animaizinhos. Concluo que o Amoroso quer vender, mas não lhe faço a vontade.

- “Até logo”

- “ Até logo Sr. Professor” – insiste o Amoroso que ainda não percebeu que não sou Professor apesar de já lhe ter dito uma série de vezes.

Perco o bom senso e a razão - porque a dignidade já a perdi há muito e insisto num sms provocatório que busca a volúpia de um colo que aconchegue. Do outro lado tu respondes - que alívio. Espero ansiosamente a hora de saída… faltam alguns segundos… Pouso rispidamente o indicador no relógio de ponto que me autoriza a saída. Ainda vou a tempo de um "Até amanhã" fugaz ao Sr. Vítor (Gosto deste homem) que returque de imediato

" - Até amanhã, João... Já tá mais que na hora" - dispara como quem tenta justificar a minha saída apressada no limiar da hora.

O percurso até ao local combinado é feito meio na estrada meio a voar, que os pneus estão carecas, podem esbarrar ou rebentar e a minha conta bancária não me permite ter acidentes agora.

Esperas-me ao telefone. Inquieta esse telefonema, mas permito-me calar o ciúme! Fazes-me um gesto para que entre.

Peço-te que me agasalhes, que me enchas a alma desse sorriso imenso que envolve um misto de doçura, de meninez inocente e de boniteza sensual. Entrego-me sem defesas… sorrio e embarco no teu abraço… esse abraço!


http://www.youtube.com/watch?v=hR8aZhKMsic

3 comentários:

  1. Parabéns João, não te conhecia esta faceta, gosto mto da tua escrita, simples sem cair em simplismos, mas com pequenos detalhes que adoçam o embalar da palavras...besitos

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  2. estrela da tarde....tudo isto é conjugado com uma enorme beleza...

    Luís Galego
    http://infinito-pessoal.blogspot.com

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  3. Com que então "O "Open Space" afoga-se de entediante silêncio" e e então o colega vai refugiar-se no Amoroso, tentando afogar as suas mágoas e perturbações (que nada têm a ver com o oficio), consumindo "pretas". Fico preocupada!!
    Ainda por cima, pareçe-me ser um hábito frequente. Sim, sim... Porque a frase do Amoroso, "É uma "preta", Sr. Professor?", denuncia uma certa intimidade e frequência de "pretas".
    O que me deixa mais preocupada, caro colega!
    Quanto ao "salgadinho", pareçe-me não ser apenas querer vender ou pôr conversa pela sua "aparência débil" (que não é nada visível), mas com certeza para não o ter de vender no dia seguinte, fazendo-o passar por um salgadinho do dia. Eh, eh, eh...
    Outra coisa que me preocupou ao ler este texto, foi o colega andar a contar os segundos para marcar o ponto de saída. O colega não anda bem!!
    O Sô Vitor já está habituado a essa contagem decrescente e o seu ar simpático na despedida, releva uma satisfação por seres menos um a atrasar-lhe a saída.
    Sr. Técnico de Encaminhamento, começo a temer pelo futuro dos encaminhamentos desta Escola, depois dessa idas ao Amoroso...
    Lol...
    Colega Joãozinho, gostei muito deste e dos outros textos, mas este tinha mesmo que comentar!! Tens muito jeito para escrita, continua assim.
    Deu-me muito gozo ler e comentar.
    Beijinhos,
    Paula Santos.

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